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O que e como podemos aprender com a história

Um fator curioso da nossa vida está no fato de não podermos transmitir a nossa experiência para os outros, sobretudo aos mais jovens. Podemos falar sobre elas, contar os fatos, e até mostrar as consequências, mas no fim elas sempre terão valor apenas para nós. Talvez esta seja uma das maiores graças da experiência humana na terra, já imaginou se um pai pudesse passar ao filho toda a sua experiência e visão de mundo? Que chato seria, pois os filhos seriam apenas uma cópia carbono de seus pais, e talvez não houvesse a evolução do pensar, dos costumes e das tecnologias que facilitam a nossa vida, não é mesmo? A nossa história e a nossa experiência têm um valor enorme em nossa vida, e com ela conseguimos nos adaptar e entender vários aspectos da relação humana, nos permitindo viver melhor em sociedade, entretanto, mesmo com toda nossa capacidade de registrar e de comunicar os fatos ela sempre parece ter valor apenas para quem por ela passou. Pense nisso.


Isto tudo parece funcionar desta forma no campo individual, ou seja, no campo de nossas experiências pessoais, já no campo das experiências coletivas por graça do bom Deus, ou por desígnio do universo o efeito de repassar experiências parecem ocupar uma outra dinâmica, e graças a elas podemos sim aprender com a experiência anterior. Basta que para isso acontecer, estejamos atentos aos fatos, registrando tudo em seus mínimos detalhes para que após os acontecimentos tenhamos uma base de dados para poder avaliar os resultados refletindo sobre suas causas e seus efeitos.
Para isto é preciso ir a fundo, e muito mais do que os fatos mostram é preciso investigar a motivação ou as motivações coletivas que desencadearam um ou outro evento na história. Com isso em mãos, a sociedade pode se dar conta que o passado é um grande mestre e um aliado para nos precaver de dissabores futuros, ao menos não os mesmos já enfrentados pelos nossos antepassados por inabilidade ou inexperiência. Como diria um grande amigo meu, dono do jornal Diário dos Campos, sr Wilson de Oliveira, “há uma certa altura da vida, ainda podemos nos dar ao luxo de sermos ignorantes, mas não temos mais o direito a ingenuidade, pois a esta altura a vida já nos ensinou e muito”.


Uma grande verdade, pois por mais que saibamos sempre iremos ignorar muito mais do que imaginamos, ao mesmo tempo que após todo este percurso, já vivemos o suficiente para saber como uma coisa vai terminar apenas avaliando como está começando. Isto se chama sabedoria de vida e só a experiência nos traz.


Lembra que escrevi anteriormente sobre sucessão? Um pai pode transferir aos filhos suas posses, suas empresas e até seu modelo de gestão, mas por esta característica da vida, por mais que ele queira ele não consegue transferir sua experiência, e com isto não consegue transferir o seu negócio, pois o negócio está em sua visão, em seu modo de ver o mundo, em seu modo de ver a sociedade e nela atuar. Por mais que um pai tente fazer com que o filho viva as mesmas experiências, elas estarão em outro momento e cercadas de tantas outras variantes que transformarão seus filhos em seres únicos no que tange a visão de mundo.


Diversos mecanismos foram criados com objetivo de se tentar transmitir a visão do negócio para a posteridade, mas sinceramente, eu nunca vi um só que realmente tenha funcionado ao longo dos anos. No máximo tenho visto uma ou outra estratégia muito bem elaborada e implementada que permanece ao longo do tempo por atender uma necessidade ou desejo humano por longos períodos.


Talvez essa mecânica seja também o motivo de até hoje nenhum império já criado tenha sobrevivido na linha do tempo. Há quem discorde e afirme que o império romano continua firme e forte através do Cristianismo, mas aqui é uma questão que envolvera muita crença e muito conhecimento de história e talvez não venha ao caso neste momento, mas se falando em igreja, a sua história tem muito a ensinar quando se fala em gestão de entidades sem fins lucrativos, vamos a uma destas lições:
Perceba que muitos falam que a igreja luterana surgiu meio que ao acaso quando a imprensa da época ainda engatinhando buscava conteúdo para imprimir (publicar) e tornar famosa a prensa de Gutemberg, encontrou nas 95 teses do então monge agostiniano e teólogo da igreja católica, um conteúdo rico em conhecimento ao mesmo tempo polêmico o bastante para dar visibilidade ao primeiro jornal que com pequenos textos informativos, já buscavam ir a fundo na produção de notícias de forma a divulgá-las e registrá-las para a posteridade.


Bem, o resultado foi talvez muito maior que o esperado levando ao conhecimento do público o conhecimento desenvolvido pelo movimento anabatista desencadeado anos antes e que já se alastrava pela Europa. O jornal deu um belo empurrão, e com ele o surgimento da revolta protestante.


Mas o que isto tem a ver com as entidades do século XXI? Eu diria que tudo. Vamos às causas que levaram Martinho Lutero a escrever as 95 teses de seu manifesto. Em síntese e isto está nítido nas suas teses, todo o manifesto se baseia em um tripé de motivos básicos, ou seja, uma contestação contra a elitização, a politização e a mercantilização da igreja, ou melhor dizendo, da fé. O que ele fez na verdade e na prática, absorvido na humildade de um monge da Igreja Católica, foi questionar a sua Igreja, se ela estava, de verdade, cumprindo os mandamentos do Cristianismo.


Talvez inevitável, mas era uma denúncia contra a forma como o Clero (líderes) da época se comportava e como eles dirigiam a Santa Igreja (instituição). Para ele e muitos adeptos do movimento anabatista, além de um mal entendimento da doutrina do crucificado, a igreja tinha se tornado um mecanismo legal que atendia apenas aos interesses do império Romano ainda vigentes e empoderado na figura central do Papa.


Aforante todos os fatos descabidos e questionados por Lutero e seus seguidores, percebemos que as causas principais que influenciaram a revolta e balizaram o famoso manifesto se deu pelo fato de a Igreja de Jesus ter se tornado o centro político da Europa, com uma forte elitização, onde os poderosos próximos ao Rei detinham o poder e gozavam de todos os benefícios do estado e da igreja, que neste momento funcionavam intrinsecamente ligados. O terceiro fator estava no fato de a igreja ter se tornado puro comércio. Tudo era comércio, tudo tinha preço. As famosas indulgências (salvação, ou garantias no céu) eram vendidas a céu aberto e disputava espaço com os impostos infligindo a miséria ao povo em geral. Não importava a situação social do cidadão, o que importava era o comércio de indulgências com suas metas e objetivos bem definidos pelo clero da época.


Bem, o que aconteceu na sequência nós sabemos, mas o curioso é que mesmo a igreja católica ter sofrido um golpe em seu seio central, que a fez repensar seus ritos e mecanismos não teria aprendido a lição, a ponto de em 1968 a igreja católica na américa Latina publicar um manifesto denominado “opção preferencial pelos pobres” onde conferência dos bispos de Medellín, em Puebla formulou a expressão “opção preferencial pelos pobres”, que firmou e adotou no Magistério da Igreja da América Latina, e também por documentos do próprio Papa. O documento se dirige a injustiça social que afligia a américa latina na época, mas trazia em seu bojo uma preocupação latente do vaticano com o crescimento das igrejas denominadas pentecostais, que a exemplo de Lutero, nitidamente se revoltavam com a elitização da igreja católica em pleno século XX, fundando em cada canto da América latina uma “nova igreja” muitas delas adotando no próprio nome a alcunha de Igreja de Jesus “renovada”.
Pode-se discordar da visão acima, mas o efeito é o mesmo e se baseia no mesmo tripé de revoltas. Elitização, politização e mercantilização da coisa.

Ora, as entidades do terceiro setor declaram, manifestam, publicam e exaltam seu caráter apartidário de funcionamento, mas isto no dia a dia, levados pela paixão faz com que dirigentes e líderes se percam na fé e tragam suas tendências para dentro fazendo com que os associados, fiéis os sigam em sua visão político partidária. Ora, a política é a essência da existência social, não há como dissociá-la, porém a política partidária divide e exclui os contrários e isto numa entidade só provoca discórdias e afastamentos. Naturalmente, ao menos em maioria, por estarmos em busca da paz, evitamos a discórdia e o enfrentamento, nos reservando apenas a prerrogativa do afastamento. Sim senhor, a política partidária divide e afasta.


Da mesma forma, há uma tendência natural de idolatrarmos os bem sucedidos. Alegamos que são exemplos a serem seguidos e damos a eles um status de influenciadores. Por existirem e terem posição de destaque são idolatrados e muitos desejam ocupar esta posição. Quando a entidade não está focada em seu objetivo se torna ambiente ideal para a proliferação destes egos mal resolvidos que se colocam em disputa, por vezes acirradas e visíveis, por outras em disputas veladas, mas não menos nocivas ao sistema. Estes costumam se perpetuar no sistema e muitos deles se tornam líderes vitalícios no exercício do cargo de presidente. Só eu que vejo isto? Acho que não, você certamente já deve ter visto, ou tem visto com certa frequência, mas de novo, por estar em busca da paz prefere usar da prerrogativa do afastamento.


O terceiro fator, a comercialização da causa a olhos vistos menos perniciosos, parece passar despercebido pela liderança, pois traz em seu bojo uma missão sublime de captar recursos para a causa. E diga-me: o que é mais importante que a causa? E como vamos manter a causa sem recursos? Com estas perguntas capciosas e nem sempre carregadas de má fé, costumamos justificar as barbáries que se transformam em nossas igrejas e nossas entidades. Sim, precisamos da causa. Sim, precisamos de recursos e SIM, precisamos desenvolver mecanismos para se atingir os objetivos da causa e como sempre se cercam de custos, sim, sempre terão um preço. Tudo isto nós sabemos, porém há uma linha tênue entre buscar soluções que auxiliem o colegiado atingir seus objetivos, e criar soluções para se colocar à venda e obter recursos.


A primeira é função das entidades do terceiro setor já a segunda é função das empresas. Parece difícil compreender, mas com um pouco de esforço você perceberá que ao criar ou produzir serviços ou soluções você transforma a entidade em um empreendimento, e como tal precisa de processos, precisa de gestão, e vai precisar de um dono para cuidar disso, para que funcione direito, e certamente quando tudo isto acontecer o estado vai enxergar e vai questionar: onde está a entidade sem fins lucrativos? Qual a contribuição da empresa para com o estado? Onde estão os impostos devidos? Exatamente aqui, você pode dizer que estou exagerando. Será?


Pare, pense e vá investigar. Onde foi parar o nosso SEPROC? já virou empresa e está trazendo lucro aos acionistas, entre eles algumas entidades. Não, absolutamente não. Nada errado com a criação de empresas e modelos de negócios lucrativos, desde que nas mãos de empreendedores, através de suas empresas e ou cooperativas, mas nunca dentro de associações ou igrejas. Consegue entender isto? Tomara que sim. E antes que você volte a me chamar de exagerado, vá pesquisar e perceberá que mais de 2/3 dos ex-associados de uma entidade alegam que elas se transformaram apenas em comércio de serviços e já não atendem o seu fim de congregar para a cooperação.


Não foi uma nem duas vezes que ouvi que há certas igrejas e associações que estão piores que promotores dos famosos marketings multiníveis, a ponto de não demorar para criarem os sistemas de pirâmides financeiras. Quando ouvi isso achei exagero do interlocutor, mas depois que vi uma associação comercial franqueando a abertura de uma filial em outra cidade para concorrer com a associação local percebi que o interlocutor estava corretíssimo. Valha-me Deus, diria a minha avó. Bem, também neste caso, como você está em busca da paz, certeza que não irá enfrentar esta situação e vai apenas usar a prerrogativa do afastamento, não é mesmo?


Pois bem, se depois de entender tudo isto você ainda estiver se perguntando porque as entidades mantêm um baixo nível de representatividade e não conseguem manter os empresários em seus quadros, é sinal que você não entendeu a mecânica dos fatos. Mas se você me perguntar: “tá, mas o que fazer? Simples meu caro, volte se a missão da entidade, congregue, arrebanhar e de espaço para todos poderem se desenvolver no propósito. Simples assim, diria Tolstoi. Talvez aqui seja melhor voltar ao capítulo inicial deste livro e entender o propósito. Afinal, por que?


Estes três fatores sempre presentes determinam o rumo das entidades e provocam uma enorme gama de reações, às vezes percebida e conhecidas e outras nem tanto, mas uma delas me chama a atenção, o efeito entidadelização. Em maioria apenas nos afastamos das entidades, mas quando sentimos a necessidade ou o desejo de se fazer o que é preciso ser feito em prol da prosperidade, o que fazemos? Buscamos corrigir as entidades existentes, ou preferimos criar outra do zero sem esses vícios?
Bem, se estes vícios não fossem naturais e persistentes nos humanos eu concordaria com a criação de novas entidades, mas como são persistentes no meio, penso eu que só há um meio de resolver: enfrentar com a mesma persistência e ter a fé que o bem há de vencer um dia, pois criando entidades só aumentamos os custos e os desgastes, mas os resultados serão sempre menores, pois partimos da divisão da sociedade quando em essência a busca é na linha oposta, na união. Simples assim.


O autor Gilmar Denck é empresário com 30 anos de experiência em associativismo. Formado em Filosofia e Administração

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