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Se podemos sonhar, podemos realizar

Não é fácil, quando nos deparamos com a realidade somos levados por um turbilhão de pensamentos e sentimentos que corroem a visão. Somos seres falíveis, cheios de traumas e desejos profundos que não são claros para nossa compreensão, e com isto temos uma visão desvirtuada dos processos. Isto acontece em nossas empresas, onde somos na maioria das vezes o único, ou então o maior responsável pelos resultados, e mesmo sabendo deste compromisso temos uma certa tendência para minimizar, postergar e entrar num faz de contas para aliviar o estresse e a pressão que existe em toda empreitada, e pior ainda em entidades sem fins lucrativos, onde somos emprestados, voluntários.


No voluntariado este efeito de se apegar ao faz de contas é amplificado. Preferimos as boas notícias do que a realidade. Adoramos números maquiados de curto prazo, e deixamos no esquecimento as razões de estarmos ali, e não mensuramos o impacto de nossas atitudes. Este é o perigo. Somente os grandes homens e mulheres deste mundo que são comprometidos com a causa percebem a necessidade de se livrar do ego e das vaidades para se debruçar sobre o que é preciso ser feito de verdade. Os medíocres, como sempre, gastarão fortunas em propaganda para mostrar uma realidade superficial, mas linda ante holofotes muito bem instalados.


Doutor Ives Granda Martins, senão o maior jurista, com certeza um dos maiores que já ouvi nesta vida, fala com muita propriedade sobre a função dos governos e das entidades sem fins lucrativos. Para começar ele é defensor do parlamentarismo. Segundo ele, a cooperação deve estar em todos os níveis de atividade humana na Terra, e não seria diferente no governo. Decisões monocráticas tendem ao autoritarismo e a falhas de visão naturais ao ser humano. Somente um sistema de parlamento poderia ampliar este campo de visão e minimizar os erros estratégicos nas tomadas de decisões governamentais.


Ele, com muita propriedade, exorta que as ações para mitigar a pobreza e a miséria são de responsabilidade do governo e da sociedade através das ongs e entidades sem fins lucrativos. Mostra que os governos, em maior e menor grau, aqui e acolá, estão desvirtuados de suas funções. A função básica do governo é servir a sociedade e não se servir da sociedade para abastecer a corrupção, ou o que pode ser até pior, servir-se dela para criar benefícios próprios, que a grosso modo pode ser pior que corrupção, pois atribuem uma aura de legalidade, sem perceberem o tamanho da imoralidade que isto enseja.

Segundo ele, nossa maior missão é fazer com que todos os eleitos e funcionalismo público compreendam que eles devem trabalhar para os outros. Fazer com que os poderes compreendam que eles têm de trabalhar para os outros. Estão lá para servir o povo e não se servir do povo. Isto também vale para nós nas entidades. Quantas vezes afirmamos que lá estamos gratuitamente se dedicando à causa comum, quando muitas vezes mais nos beneficiamos do que servimos?


É uma reflexão individual, mas que deveria de alguma forma ser levada também ao coletivo. Afinal qual o nosso papel? Qual a nossa função? Ives Granda vai além e afirma que nossa função é desconfortável, mas sim, é nosso dever criticar e cobrar dos nossos funcionários públicos uma atuação em prol do povo, somente em prol do coletivo. Não queremos e não gostamos da posição do crítico, mas sem ela não como corrigir a rumo das coisas. Olhar para a imoralidade com responsabilidade e agir.


Precisamos bater à porta, sempre e sempre. Não podemos ser prisioneiros de ideologias ou congregados de partidos que dominam o poder. Segundo ele, isto não é um sonho, um idealismo ou um romance, mas em essência é a missão de todo cidadão. Acima de tudo, não pensar em ser alguém, buscar o sucesso, mas pensar em fazer dos outros esse alguém, buscar o sucesso coletivo. Esta é a nossa missão. Disso tenho certeza, diz Granda. Não podemos ser inúteis em relação à sociedade, sob pena de tornar inútil tudo aquilo que realizamos em nossa vida profissional. Em síntese, estamos aqui para servir a sociedade também.


A pobreza e a miséria são um problema do estado e da sociedade. Responsabilidade maior do estado, mas não menor da sociedade. Ainda segundo ele, todos nós temos uma consciência que pagamos muito mais do que deveríamos apenas para sustentar a corrupção dos governantes, sustentar todos os benefícios gerados para eles por eles mesmos, e somente quando sobra tempo é que prestam algum serviço à sociedade e de um modo geral, sofrível e escasso. Muitos utilizam este sentimento para justificar uma defesa burra da sonegação e da corrupção inversa. Afinal, roubar de ladrão parece ser uma vitória e um ato heroico, quando na verdade não passa de roubo qualificado, pois roubam da sociedade e não de seus funcionários contratados ou eleitos.


É nossa missão combater esses pensamentos e desenvolver uma consciência de cobrança para que eles entendam que estão lá para prestar um serviço público de qualidade, onde possam servir ao povo e não servir se dele. Esta é uma missão das entidades. Debater, compreender e criar mecanismos de acompanhamento e cobrança. Não se trata do 4º poder como costumam gritar os eleitos quando percebem que a sociedade se movimenta e participa. Trata-se acima de tudo da origem e razão de existência dos 3 poderes. Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. É o princípio de tudo.


As entidades de um modo geral sabem desta responsabilidade, mas, também desvirtuadas de suas funções, hoje estão mais focadas na criação de serviços rentáveis para elas do que se preocupando com o desenvolvimento de cada segmento econômico de sua cidade de maneira mais pontual, sem deixar de se preocupar diuturnamente com os desígnios governamentais que nos afetam.


Segundo Granda, é nas entidades que podemos exercitar a verdadeira democracia. São nelas que tudo acontece. Segundo ele, uma das mais fortes democracias do planeta é a norte-americana, e isto se dá pela força de atuação das entidades representativas, Nos EUA, as entidades lutam pela democracia e lutam para que o serviço público funcione. Não podemos viver em função de nós mesmos. Construir um mundo só para mim. É necessário construir um mundo para nós. Pensar nos outros e nos problemas sociais não é função do estado. É nossa função. O estado tem de fazer o que mandamos e pagamos para fazer, mas não deve assumir a nossa responsabilidade de construir a sociedade. Ainda segundo ele, no Brasil nem estado nem sociedade estão cumprindo suas funções como deveriam. Estamos trabalhando para inglês ver, num tremendo faz de contas, onde fingimos aqui, eles fingem de lá e ninguém tem coragem de olhar dentro do balde.


Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja. A realidade está à nossa frente. A responsabilidade é nossa, então o que estamos esperando? Não são raras as vezes que encontramos pessoas inspiradas e dispostas a disseminar a cultura associativa por aí, mas em quase que 100% das vezes esses são taxados de idealistas, filósofos, poetas romancistas e nunca levados a sério. Juntos somos melhores, mas em maioria gostamos de acreditar que conseguiremos sozinhos. Eu adoro me sentir inspirado pela causa, mas me apaixono sobremaneira quando percebo que estou sendo inspirado pelo próprio trabalho.


Outro dia o amigo Roberto Mongruel lembrava de uma entrevista do saudoso Garrincha, grande gênio do futebol. Perguntaram a ele; “Garrincha, qual a situação mais curiosa que você já passou na tua vida profissional? Ele respondeu: “Curiosa, não sei dizer, mas a melhor é quando depois de jogar futebol, passo no caixa e me pagam”. Bem humorado, deu sua lição: existe coisa melhor do que receber por aquilo que gostamos de fazer? Este é o meu sentimento hoje, sou contratado para transferir minha inspiração. Confesso que tem dias pesados, pois lutar com um sonho nas mãos contra interesses que vão desde a mais simples vaidade, passa por egos inflados e frequentemente bate de frente contra interesses pessoais, políticos e econômicos, que pioram quando representam grupos e oligarquias poderosas.


Este sonho é a essência do modo como vejo a sociedade e do poder do associativismo para produzir a prosperidade, a paz e a felicidade entre os homens. Acredito que pelo associativismo poderemos chegar muito perto de um mundo onde as pessoas, independentes de cargos, profissões ou função social, acordem inspiradas toda manhã, trabalhem num ambiente seguro para dar o seu melhor e ainda voltem para casa a tarde com aquela sensação de missão cumprida. Isto não é utopia. Isto é felicidade.
Com os pés no chão, sei da dificuldade para se criar um mundo assim, e sei que ele acontecerá, não tão rápido quanto espero, mas sei que poderemos chegar a ele, porque não estou sozinho neste sonho. Como disse Walt Disney, se podemos sonhar, podemos realizar. Então, vamos realizar.

Quando aprendermos a trabalhar juntos, unindo esforços e dividindo as tarefas, cada um fazendo a sua parte, mas olhando na mesma direção, compartilhando a vida e os espaços, tenho certeza que este mundo emergirá rápido e sólido para a felicidade de todos.


Com carinho e com este amor no coração, gostaria de convidar cada cidadão desta Terra a viver este caminho, esta visão, mas em especial convidar os empresários a se associar de forma que possam se desenvolver como líderes, para que assim liderem todas as empresas nesta empreitada. Esta é a missão. Vamos cumpri-la. Juntos.


O autor Gilmar Denck é empresário com 30 anos de experiência em associativismo. Formado em Filosofia e Administração

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