Gilmar Denck
A imensa maioria das Associações Comerciais do Brasil, estima-se que 90% delas, têm perfil de transição por continuidade simples do grupo dominante, ou seja, amigos e pares políticos compõem a administração e diretoria dessas entidades, e na transição são feitos os conhecidos ajustes. Isto corrobora com o quê ou com quem?
O problema é que o perfil empreendedor é o principal fator presente na maioria dos gestores de entidades, que por influência cultural acabam por negligenciar o fator sucessão nas entidades, haja visto que em sua maioria, em seus estatutos estão previstas eleições. Desta forma, o processo de sucessão é substituído pelo processo eleitoral como se a entidade fosse regida pelos princípios da gestão pública.
Aqui o primeiro e grande vácuo do sistema. Com expansão nítida iniciada em meados do século passado, a gestão empresarial evoluiu trazendo na mesma direção os controles e aspectos contábeis. Na mesma toada e com a mesma necessidade, a gestão pública também evoluiu, mas nitidamente copiando os modelos da gestão empresarial. Até aqui tudo bem no que tange controles e custos que seguem as mesmas regras na empresa, na gestão pública e até nas finanças pessoais. Os problemas, propriamente ditos, começam quando a pauta é investimento.
Aqui o foco é totalmente divergente em gênero, grau e número. Enquanto na gestão empresarial os investimentos focam no mercado como forma de aumentar o faturamento ao encantar o consumidor, na gestão pública o foco dos investimentos é a justa aplicação dos impostos em assistência básica ao mesmo tempo que deve investir em estruturas e projetos que alavanquem o ambiente social propiciando novos negócios e a expansão da economia. Poucos gestores compreendem e definem a gestão nestas direções, em maioria parecem ser levados por opiniões e modelos de gestão inventados aqui e acolá.
Este cenário caótico ganha proporções ainda maiores no 3º setor, pois o foco de investimentos muda completamente de direção. Embora em maioria o escopo seja a proteção do ser social e a melhoria significativa do ambiente em que está inserida promovendo transformações sensíveis, seu foco de atenção e investimentos são direcionados aos projetos que se modificam em tamanho, conjuntura e escopo, na linha do tempo, além de não poder contar com o faturamento direto da criação de bens para a comunidade, pois este não é o foco, também não pode contar com as taxas compulsórias que abastece o setor público, dependendo exclusivamente da contribuição voluntária da comunidade e/ou rateio simples das despesas geradas, como no caso as associações comerciais.
Por esta razão, poucas associações parecem resistir com a mesma intensidade de atuação após uma sucessão. Também por hipótese e observação simples, percebemos que apenas 30% delas têm algum poder de perenidade em seus projetos e em sua atuação no seu foco de existência. Quando uma geração nova de diretores desconectados da diretoria anterior entra em cena, a taxa de sucesso é ainda menor, de apenas 5%.
A falta de planejamento sucessório leva a essas estatísticas negativas. Sucessão depende acima de tudo do comprometimento da diretoria com a profissionalização, alinhamento estratégico e estruturação de processos, ou, em outras palavras, o comprometimento cívico da diretoria para com o futuro da entidade.
Se as entidades se atentassem a esses pontos, a taxa de sucesso da transição entre diretorias não seria um momento tenso que por vezes se transformam em trágicos. Não é possível chegar aos 100% de assertividade, porque há fatores comportamentais e conjunturas do momento envolvidos, porém, negligenciar o planejamento da sucessão é sem dúvida entregar o futuro da entidade nas mãos de Deus, quando na verdade Ele nos deixou a inteligência e a capacidade de planejar o futuro. Como disse o genial Peter Drucker; “o melhor jeito de prever o futuro é planejando-o”.
Por exemplo: é natural, segundo o especialista, que os (as) presidentes sejam centralizadores. Normalmente as entidades nascem pequenas e crescem porque os fundadores viveram em função da sua existência e entenderam o seu papel imprescindível de impactar a sociedade e ser indutora do desenvolvimento local. Abrir mão de planejamento, olhando por esse ângulo, confiando apenas na tradição que nos trouxe até aqui, é no mínimo complicado, para não dizer desastroso.
O problema é que, quanto mais centralizador, menos se desenvolvem as pessoas que estão abaixo na hierarquia, e isso dificulta a profissionalização da entidade e, consequentemente, a sucessão. Soma-se a isto o fato de que em maioria as entidades não investem na preparação e qualificação dos diretores na gestão de entidades.
Outro ponto que costuma derrubar a longevidade dos propósitos associativistas é a falta de separação entre o que é empresa e o que é entidade e que entidade não é empresa, portanto não pode investir nem empreender. Deixa isto para os empreendedores e apoie esta energia, este é o foco. O caixa da entidade pode ser “saqueado”, mesmo que de boa-fé, para manter gastos derivados de desejos pessoais de um presidente ou um grupo dentro da diretoria.
Em associativismo essa é uma questão que vai além das finanças. É complicado demitir um funcionário que geralmente é mais preparado que a direção, por exemplo. O ideal seria separar totalmente as percepções pessoais dos propósitos da entidade, mas como na prática sabemos que é difícil, e que somos treinados a fazer vista grossa ante aquilo que pode parecer complexo, o que nos leva muitas vezes apenas a contornar a situação.
Algo que ajuda a reduzir problemas com situações como a descrita acima é ter processos gerenciais bem estruturados, com análise de desempenho da equipe, com critérios objetivos para remunerar e promover e saber quem não está alinhado aos propósitos associativistas.
Usar critérios técnicos e objetivos colabora, mas definir a visão e a missão da entidade de forma que seja assimilada pela equipe operacional é sem dúvida a melhor fórmula para estimular colaboradores a sensação e a vibração que só a cooperação pode produzir na sociedade.
Importante lembrar que o sucessor vai herdar também a equipe escolhida pela diretoria anterior, e o nível de relacionamento pode não ser o mesmo. Mais uma vez, serão os processos gerenciais bem construídos e a perfeita visão da missão que garantirão a transição menos traumática.
Esse ponto leva a outro ainda mais importante para um processo de sucessão bem executado: a qualificação antecipada do sucessor.
Segundo especialistas, 10% dos gestores dependem de uma boa formação educacional, 20% da interação com pessoas mais experientes e 70% dos desafios e experiências vivenciadas. Claro que esses percentuais variam, mas o que vale são os pilares sólidos do associativismo. O mais importante nesse ponto é que nenhum projeto sobrevive ao despreparo da diretoria, por isso a necessidade da capacitação antecipada, e quando se fala em capacitação estamos falando da lide diária, do enfrentamento dos desafios e participação nas decisões importantes que moldaram o caráter do novo líder.
Importante lembrar ainda que sucessão é um processo, não uma mudança repentina. Há mais do que questões patrimoniais envolvidas. É preciso trabalhar a saída gradual de uma diretoria preparando a próxima, pois geralmente são pessoas que podem ter vivido o associativo há muitos anos e assim podem passar experiências no dia a dia durante essa transição. Este é o modelo ideal.
Não estou dizendo aqui que a sucessão seja a única alternativa. A entidade pode passar por um processo eleitoral e ser dirigida por pessoas até estranhas à atual diretoria, ou até mesmo depender essencialmente de seu principal executivo. Por isso é importante que o estatuto preveja em suas definições regras que assegurem o mínimo de segurança para que a transição transcorra sempre dentro dos objetivos associativistas e nunca pelo foco de interesses econômicos e ou políticos que desfilam na sociedade e fatalmente afetam a convivência associativa.
Por fim e resumidamente, é imprescindível pensar em sucessão nas entidades, com foco no propósito e com a seriedade que a situação exige preparar os futuros dirigentes de entidades, das empresas e da gestão pública. Este sem dúvida é o papel essencial dos conselhos de desenvolvimento de lideranças jovens e de mulheres empresárias. O caminho existe. O caminho é associar. Vamos trilhar.
O autor é empresário com 30 anos de experiência em associativismo. Formado em Filosofia e Administração.