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Olhando para dentro do balde

Kierkegaard disse que não existe angústia maior que procurar um propósito para a vida, na contra mão Simon Sinek disse que não existe realização maior do que ter um propósito. Independentemente de ter ou não um propósito maior por trás dos fatos, há sempre um porque, por menor que seja o motivo, há sempre uma razão para acontecer, e curiosamente sempre é determinado pela ação ou pela inação de alguém.

Como já disse anteriormente, a ação ou a inação é sempre opcional, já a consequência é sempre inevitável. Aqui gostaria de chamar a tua atenção na forma em que gestores costumam apresentar resultados. em maioria os gestores não gostam de ver resultados inadequados, quiçá mostrá-los. E por estarem envolvidos no mundo da competição, acabam desenvolvendo técnicas de persuasão e mecanismos de apresentação que iludem os incautos que também a maioria adoram serem enganados. Não se iluda, em maioria as pessoas não gostam de levantar a bunda da cadeira para olhar dentro do balde, seja por pura preguiça, por propósito obscuro ou até mesmo por falta de propósito.


Olhar dentro do balde é uma característica de pessoas que possuem primeiramente propósito na vida, entendem sua responsabilidade social e entendem que os números apenas mostram a realidade, e através deles podemos influenciar na linha de tendência, ou a linha da verdade. Não foi por acaso que disseram que Deus escreve certo por linhas tortas. Em todas as apresentações que já presenciei, das diversas entidades e empresas que tive a oportunidade de ver as apresentações de resultados, ela sempre estava lá.
A linha da verdade, a linha da tendência é reta e estável e aponta para uma só direção. Construída pelos altos e baixos dos resultados de curto prazo (adorados pela baixa gerência), a linha da verdade se forma lentamente na linha do tempo onde podemos ver claramente sua trajetória e para onde está apontando, ou seja, podemos ver sua história e podemos enxergar seu futuro. Como nas escolhas que são opcionais a linha da verdade é apenas consequência.
Em qualquer gráfico, observe que muitos não mostram a linha da verdade graficamente, mas mesmo assim ela está ali, e para quem está atento ela transparece como se grafada estivesse. É a magia da gestão. É a magia de se olhar dentro do balde. Os números mostram a verdade.
Observe que esta linha só pode apontar para 3 direções: Se ela estiver apontando para o centro, significa uma estabilidade perigosa, afinal não existe perigo maior para um capitão que mares de calmaria. Todo bom capitão sabe que mares calmos sem ventos significa a morte. Uma tempestade pode maltratar e causar prejuízos, mas ensina e forma grandes marinheiros. Portanto, não existe perigo maior que linhas de tendência que apontam para o centro. Grandes gestores enxergam e sabem disso.
Se ela estiver apontando para cima, significa que a visão do planejamento está apontando para o céu, onde não há limites. Este é o melhor gráfico. Esta é a grande verdade buscada por todos. Visão que nos leva aos céus.
Agora, se ela está apontando para baixo, significa logicamente que, se não está apontada para o céu, nem para o horizonte, fatalmente está apontada para o inferno, onde só existem lamentações, desculpas esfarrapadas e muita dor. Significa o presságio da morte. Não sou eu quem estou dizendo, são os números, a linha da verdade.
Observe que o fator determinante desta linha está integralmente ligado à visão da liderança. Por isso Peter Drucker pregava sobre a importância de os líderes responderem a uma pergunta simples mais fatal: “Qual é o teu negócio?”. Saber responder a esta pergunta leva o líder a enxergar o caminho, definir as estratégias e apontar a proa de seu navio para os céus. Em contrapartida, se não sabe exatamente qual é o seu negócio, vai sobreviver por um tempo nos mares revoltos dos mercados, copiando concorrentes, criando mecanismos, se refugiando em modelos de gestão, sem conseguir influir na linha de tendência. Peter falava ainda que um líder pode prever o futuro planejando-o.
Verdade, o líder com sua visão define a linha de tendência. A gerência pode influenciar os resultados imediatos, mas somente o líder pode influenciar a linha de tendência. Um bom plano tende a levantar os resultados no curto e médio prazo, porém somente a visão poderá levantar a curva de tendência. Eis a regra de ouro. Por isso Drucker exortava para a definição básica do negócio, o que é? Para que existe e para quem existe.


Na mesma linha Simon Sinek exorta em começar pelo porquê, ou seja, tenha um propósito de vida e faça com que tua empresa ou entidade tenha um propósito. É uma opção que definirá a tua linha da verdade.
Lembra da brincadeira do restaurante? Três amigos foram comer num restaurante e no final a conta deu R$ 30,00. Fizeram o seguinte: cada um deu R$ 10,00. O garçom levou o dinheiro até o caixa e o dono do restaurante disse o seguinte: “Esses três são clientes antigos do restaurante, então vou devolver R$ 5,00 para eles…” E entregou ao garçom cinco notas de R$ 1,00. O garçom, muito esperto, fez o seguinte: pegou R$ 2,00 para ele e deu R$ 1,00 para cada um dos amigos. No final cada um dos amigos pagou o seguinte: R$ 10,00 – R$ 1,00 que foi devolvido = R$ 9,00. Logo, se cada um deles gastou R$ 9,00, o que gastaram juntos, foi R$ 27,00. E se o garçom pegou R$ 2,00 para ele, temos: Total pago: R$ 27,00. Garçom: R$ 2,00, total: R$ 29,00.


Pergunta-se: onde foi parar o outro R$ 1,00? Se mandaram ao caixa 30,00? Há um erro no enunciado no problema, visto que ele propõe subtrair R$ 1,00 de cada amigo para depois somar os novos valores e chegar aos R$ 30,00 iniciais. Ora, o que interessa não é a soma do que sobrou para cada um, mas sim onde estão os R$ 30,00 iniciais! R$ 25,00 estão com o dono do restaurante, R$ 2,00 estão com o garçom, R$ 3,00 estão com os amigos, R$ 25,00 + R$ 2,00 + R$ 3,00 = R$ 30,00. Pronto, resolvido!


Quer uma explicação mais detalhada? Então pense da seguinte forma: Se o dono do restaurante deu R$ 5,00 de desconto, a conta final foi de R$ 25,00. R$ 25,00 dividido por 3 = R$ 8,3333 para cada amigo. Como cada um deles recebeu R$ 1,00 de volta: R$ 8,3333 + R$ 1,00 = R$ 9,3333. R$ 9,3333 x 3 = R$ 28,00; R$ 28,00 + R$ 2,00 (do garçom) = R$ 30,00.
A brincadeira acima mostra que na matemática podemos brincar à vontade com os números e até maquiar a verdade. Não é assim que se formam as famosas pedaladas fiscais dos governantes? Para eles a verdade não é importante, o que vale é mostrar resultados. não é mesmo? E quem acredita?


No mundo da administração pública isto é tão normal que chega ao ponto de muitos acreditarem que isto é um padrão necessário e normal. Claro que somente para as mentes de energúmenos e corruptos de plantão. A verdade é absoluta e imutável.
No campo da administração pública estas atitudes são perversas, escondem a corrupção e a incompetência. Mas o que dizer quando vemos isto no campo da gestão empresarial? E pior ainda quando vemos isso no campo da gestão do terceiro setor.
Para salvaguardar empregos, gestores maquiam números. A sobrevivência do projeto ou da entidade fica subjugado a segundo plano. Eis o perigo. Vamos a um exemplo prático, recente que a grosso modo não há má fé, nem tentativa de dolo eventual, mas a visão sobre os fatos pode lhe servir para o entendimento da importância de se olhar dentro do balde.
Vi as notícias de resultados do ano passado de duas grandes corporações. Vamos a eles, observe: Corporação A- resultado bruto 84 milhões. Corporação B- resultado 29 milhões. Qual a maior? Qual a melhor? Se você não olhar dentro do balde, diria que a corporação A foi 3 vezes mais eficaz que a B, não é mesmo?
Vamos para dentro do balde: Corporação A possui 1000 sócios, portanto resultado por sócio R$ 84.000.00. Corporação B possui 300 sócios, portanto resultado por sócio R$ 96,666,67. Olha que curioso, observando este segundo dado vemos que a corporação B foi mais eficiente do ponto de vista do resultado por sócio.


Mas vamos mais para dentro do balde. Corporação A, resultado R$84 milhões. Impostos sobre a renda, fundo reserva, reinvestimentos totais R$ 45 milhões, resultado líquido R$ 39 milhões, ou R$ 39.000 por socio. Corporação B, resultado R$ 29 milhões, impostos, fundo e reinvestimento R$ 11 milhões, resultado líquido de R$ 18 milhões. Ou R$ 60.000 por sócio.
Se você olhar o resultado líquido, a corporação A foi mais do que o dobro de resultado sobre a B, mas se olhar o resultado por sócio, onde realmente interessa, a corporação B atribuiu um rendimento quase que o dobro sobre A. Percebem que os números podem ser mostrados na forma como convém ao apresentador?


O exemplo acima mostra apenas o que pode ser feito com uma apresentação e atribuir valor maior a um gestor inferior a níveis de resultados, porém em nenhuma das apresentações pudemos ver a linha de tendência, sobre a qual repousa a verdade, ou seja, entre a e b, podemos ver os resultados de curto prazo, mas não poderia dizer qual está com o futuro assegurado ou qual está apontando para o inferno. Para isto teríamos que olhar mais para dentro do balde e observar esses comportamentos na linha do tempo. Tendência é a verdade, dados são como estojo de maquiagem.

Como disse Jesus no início de sua parábola do semeador: “quem tem olhos veja, quem tem ouvidos ouça”.


O autor Gilmar Denck é empresário com 30 anos de experiência em associativismo. Formado em Filosofia e Administração

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