É no mínimo curioso perceber que ainda acreditamos no modelo estatal estudado, debatido e estabelecido pelos romanos há quase 3000 anos, onde o Estado representa o poder divino sobre os homens. Podemos perceber que o modelo de poder dos céus é mais antigo que as escritas e parece ter permeado todos os povos.
Um pouco antes da era Cristã, os gregos desenvolveram a democracia que se tornaria o pior sistema de governo, com exceção a todos os outros (Churchill no discurso da vitória), e pregavam a força do homem sobre todas as coisas resumidas na palavra entusiasmo (in Theo asmos= Deus dentro do peito). Mais tarde, esta divindade que habitava nosso peito, segundo os gregos, foi brilhantemente explicada pela teoria do primeiro Motor de Aristóteles, que explicou que a energia necessária para tudo mover advém de um primeiro motor (Deus de Aristóteles, ou o Big Bang da teoria dos físicos modernos) que habita dentro de nós e tudo pode realizar.
Quase simultaneamente os romanos desenvolveram e fortaleceram o Estado, com uma semidemocracia importada dos gregos e o fortalecimento dos exércitos.
Os romanos perceberam ainda, que além de tudo isto, precisavam de um poder superior para estabelecer e manter a ordem. Um poder dos céus. Foram eles que nos fizeram acreditar que a força, a inteligência e a capacidade de solucionar os problemas sociais de Cesar advinham diretamente dos Deuses do Olimpo. Os 12 deuses do panteão romano empoderavam o Estado e justificavam todas as suas ações, assim tudo o que Cesar determinasse, era “bom”.
Este modelo levou Roma a dominar e estabelecer um grande império. No ano 268 DC, com a pandemia de Cipriano, o Império foi abalado e apareceram os Cristãos, então pequenos bandos de seguidores de um crucificado (como eram vistos na época), os quais, ao adotarem uma postura diferenciada da sociedade da época de se isolar e repelir pessoas, com medo da pandemia, acolhiam e se aproximavam delas, o que resultou na salvação da economia romana, trazendo destaque a estes grupos.
Esta ascensão foi tão notória e cresceu vertiginosamente na sequência a ponto de em 325 DC Roma estabelecer o Primeiro Concílio Cristão. Um concílio de bispos, reunidos na cidade de Niceia da Bitínia pelo Imperador Romano Constantino I em 325. Constantino I organizou o concílio nos moldes do senado romano e o presidiu, mas não votou oficialmente. Estabelecendo assim a igreja estado cristã, denominada na época de Igreja Católica Apostólica Romana. O poder mantinha se no Estado, mas era autorizado pelos céus, a partir deste momento um só Deus, o Deus dos Cristãos.
Esse foi o modelo estatal implementado no ocidente e rege ainda hoje a maioria dos países do globo. No século XV, o movimento anabatista, que teve seu auge no manifesto de Lutero, requereu a criação de nova religião desligada dos interesses do Estado, contudo não requereu o poder do Estado que ainda permanece sob a autorização divina. De lá pra cá, com a rápida evolução das tecnologias, a produção acelerou e continua acelerando, o que nos trouxe prosperidade, contudo, pela volúpia humana também trouxe desigualdades que foram contestadas por revoluções e guerras, determinando o surgimento de alguns vieses políticos de enfrentamento, onde alguns, de alguma forma questionam o poder transcendental do estado.
Nosso líder atual habilmente criou um slogan que reforça a nossa crença estabelecida por Roma. Ao citar ‘Brasil acima de tudo e Deus acima de todos’, clama o poder divino e para o Estado como forma de manter a ordem e possibilitar o progresso. O texto não tem a intenção de polemizar o contexto partidário, mas apenas convidar o leitor a refletir sobre o nosso modelo cultural (conjunto de crenças) ao qual estamos submetidos. Este modelo ainda supre as necessidades sociais? Esta é a reflexão. Ou existiria um modelo de maior representatividade da sociedade civil organizada assumindo o seu papel de definidores de seus destinos? O caminho existe. O caminho é ASSOCIAR. Vamos trilhar.
O autor Gilmar Denck é empresário com 30 anos de experiência em associativismo, formado em Filosofia e Administração
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