Gilmar Denck
Temos naturalmente embarcados em nosso DNA o espírito da competição, talvez por termos sido concebidos pela luta frenética de milhões de espermatozoides em busca de um único óvulo, esta mecânica permeia toda nossa existência.
Paradoxalmente a vida mostra que a evolução humana está exatamente na direção contrária. Tudo o que existe de bom que facilita a nossa vida é fruto de beneficiamento humano. Não existe pão na natureza, nem ao menos existem campos de trigo. É preciso arar a terra, semear, adubar, cultivar, colher, separar, soltar a casca, peneirar, transportar, armazenar e cuidar para então entregar ao padeiro que acrescentará leveduras, água, sal, açúcar e gorduras, atribuirá muitas pancadas para o grão soltar sua essência, para então sovar, modelar, fermentar e assar. Para isso precisará de ferramentas, equipamentos próprios.
Toda esta cadeia só é possível pela cooperação entre as pessoas, advinda pelo interesse comum de todos desejarem e precisarem dos benefícios uns dos outros. Somos então um sistema de trocas contínuo, onde acumulamos créditos de benefícios (capital e patrimônio) para garantir os benefícios desejados na linha do tempo, seja para si mesmo ou seus herdeiros.
Do lado do acúmulo o que vale é a individualidade, do lado da produção o que conta é a cooperação, porém o espírito da competição impregnado em nós tende a nos levar a competir em tudo abnegando o espírito da cooperação, a mãe da prosperidade e madrinha da felicidade.
Precisamos parar e pensar, entender o objetivo. Só assim deixaremos de ser escravos de uma busca insólita, sem sentido. São estes sentimentos de produzir (necessidades e desejos) e gerar acúmulos (riqueza) que nos levam a atuar na sociedade especificamente no mercado. Uns entendem que produzir um benefício empregando apenas mão de obra é, ou deveria ser suficiente.
Outros entendem que é necessário entender o desejo humano e beneficiar os recursos existentes aumentando o benefício agregando mais valor ao produto. E ainda, acreditam que mesmo existindo riscos, vale a pena investir na ideia. Estes são empresários. Na soma dos dois padrões acima construímos o modelo social vigente. Patrões e empregados produzindo benefícios uns aos outros.
Neste formato surge a necessidade de pessoas que pensam, organizam e controlam o funcionamento legal que acomode os interesses de todos para que a cooperação surta seus efeitos. Assim elegemos os mandatários delegando a estes o poder sobre o sistema.
Entretanto, como somos impregnados pela competição, mãe da corrupção, o poder se apresenta como um afrodisíaco que desperta interesses que vão muito além do seu objetivo de controlar o sistema para que seja produtivo.
Para equilibrar as forças e manter o fiel da balança no centro de todas as relações precisamos desenvolver pessoas que entendam nossa fragilidade humana e pensem o sistema não só no hoje, e ainda que sejam desprovidos da vaidade humana do reconhecimento imediato, pois só assim poderá pensar no todo e nos trazer soluções pensadas a partir do propósito da cooperação que pode gerar riquezas para todos. Estes são os empreendedores cívicos.
Essência das cidades desenvolvidas, os empreendedores cívicos sabem que ação não é solução. Ações abrilhantam os executores, trazem força a políticos, confortam os incautos, porém muito pouco ou nada acrescentam ao sistema. A produção deve ser planejada, estudada, levantada, organizada e planejada com visão de futuro, observando interesses comuns e sempre com foco no coletivo e na cooperação. Toda esta construção não trará foto ou reconhecimento a nenhum político, não aumentará os lucros imediatos de nenhum empresário nem sequer irá aumentar o salário de algum funcionário, porém irá fatalmente aumentar a produtividade de toda a coletividade trazendo oportunidades para todos.
Pessoas com visão depurada e de longo alcance enxergam que este é o legado a ser deixado para sua comunidade e para seus filhos.
Urge entidades reencontrem este caminho e comecem a desenvolver lideranças cívicas que venham ocupar cada vez mais espaço, primeiro dentro das próprias entidades e depois nos espaços públicos e empresariais. A prosperidade é uma construção coletiva. O caminho existe. O caminho é Associar. Vamos trilhar.
O autor é empresário com 30 anos de experiência em associativismo. Formado em Filosofia e Administração